sexta-feira, 29 de junho de 2012

“Entrando na mente” do consumidor, quase que literalmente.

Há alguns posts atrás, falei sobre o desafio da interpretação dos desejos e decisões dos consumidores. O tema demanda tanta importância, que indústrias investem milhões em pesquisas para identificar um padrão de comportamento capaz de melhorar as decisões do marketing mix. Neste post, vou falar um pouco sobre o que há de mais moderno sobre comportamento do consumidor, reunindo estatística, neurociência e marketing.

A estatística é uma ciência datada do século XVII, com os primeiros registros publicados acerca de taxas de mortalidade. Uma ciência amada por poucos e odiadas por muitos, assim como outras afins, tais como matemática. Não é uma disciplina simples, requer muito esforço para o devido aprendizado, mas quando utilizada de forma correta, pode trazer grandes benefícios. Embora o marketing seja uma matéria abordada desde os primórdios da humanidade, os estudos de marketing começaram a ganhar relevância a partir da revolução industrial. O marketing baseia-se em vários conceitos, entre eles o de marketing mix, que procura endereçar a melhor solução para seu público alvo selecionado, cobrindo-se quatro dimensões, conhecidas como 4 P’s: O produto (Product), a forma de comunicação deste produto no mercado (Promotion), o preço praticado, de acordo com o público alvo (Price) e, finalmente, o Place (Forma de distribuição do produto ao mercado). Que a estatística tem interface com o marketing, isto já é sabido. Mas, o que tem a ver a neurociência com os dois anteriores?

Espero que minha colega, Luna, que conhece tudo sobre o tema, me perdoe “a liberdade poética” para explicar o tema de uma maneira o mais simples possível.

A neurociência, utilizando-se de algumas técnicas, tais como o “Functional Magenetic Resonance Imaging” (fMRI), consegue captar variações nas atividades cerebrais, através de maior ou menor oxigenação no fluxo de sangue no cérebro, quando determinadas áreas são ativadas. Através da ressonância magnética, as áreas ativadas no cérebro são mapeadas, identificadas pelos chamados “voxels”, que pode ser simplesmente entendido como um mapeamento 3D da área ativada do cérebro. Isto é de particular importância para o marketing, pois através de tratativas estatísticas, o indivíduo analisado pode ser estimulado de diferentes maneiras, provocando variações nas atividades cerebrais, podendo-se fazer um mapeamento de áreas ativadas, permitindo-se, então, fazerem-se inferências estatísticas a partir de amostras coletadas através de experimentos científicos.

Vou tomar um trabalho que apresentamos em sala de aula, para a disciplina de Inferência Estatística. Nosso trabalho baseou-se no estudo extraído da respeitada publicação “Journal of Consumer Research” com o título “A Functional Magnetic Resonance Imaging Study of Neural Dissociations between Brand and Person Judgments” (Yoon et all, 2006). Basicamente, o estudo objetivava mostrar que quando fazemos julgamentos sobre pessoas e produtos, o cérebro ativa diferentes regiões. Um exemplo, adotado no texto é quando dizemos que um produto é confiável. O mesmo adjetivo pode ser usado para pessoas, mas será que pode ser interpretado da mesma maneira pelo cérebro?

Para a realização do estudo, houve toda uma tratativa para garantir que os eventos (experimentos) seriam independentes e aleatórios. Ou seja, quando indivíduos fossem submetidos aos testes, seria preciso garantir que nenhum elemento influenciaria na decisão de escolha. O teste foi desenvolvido em três etapas. Na primeira etapa, fez-se um pré-teste com 70 mulheres e 82 homens, com o objetivo de selecionar um grupo de marcas relevantes (de acordo com o grau de familiaridade do entrevistado com a marca, do grau de identificação com esta marca e do quanto esta marca representava o estilo de vida do entrevistado) e um grupo de pessoas conhecidas (de acordo com a familiaridade e com o grau de identificação do entrevistado com a personalidade apresentada). O resultado foi que 100 marcas foram selecionadas e 15 personalidades escolhidas, através de uma cuidadosa tratativa estatística para a escolha destes elementos. A etapa seguinte seriam as sessões de ressonância magnética fMRI, onde um grupo de 20 pessoas foram selecionadas, selecionadas a partir da etapa anterior. Cada indivíduo passou pelo teste ressonância magnética 5 vezes, apresentado para 5 listas distintas contendo um adjetivo associado a um produto ou uma pessoa, por um curto espaço de tempo, sendo que o entrevistado precisaria fazer uma escolha de “sim/não”, acionando um botão, quando submetido ao teste. As perguntas eram as seguintes: O adjetivo apresentado tem a ver comigo? descreve a outra pessoa? Descreve uma marca relevante para mim? Descreve uma marca não relevante para mim? O adjetivo aparece em caixa alta ou baixa? A combinação entre adjetivos, pessoas e produtos foi combinada de maneira a não influenciar na escolha do entrevistado, com base em algum pré-julgamento.

Feito o teste de ressonância eletromagnética, entra a estatística com a interpretação dos dados, através de um teste conhecido como Análise de variância (ANOVA), comparando-se médias. A hipótese básica, chamada de nula (Ho), tinha como premissa a argumentação de que, sim, o cérebro interpreta atributos associados a produtos e pessoas da mesma maneira. A hipótese alternativa (Há), a ser testada, é de que, não, o cérebro interpreta atributos relativos a produtos e pessoas de forma diferente. Utilizando-se uma estatística conhecida como teste F, o estudo chegou a um resultado muito baixo para o p-valor, que é uma medida associada à significância do resultado. Com um p-valor baixo, a hipótese inicial fica rejeitada, indicando que o cérebro interpreta atributos relacionados a produtos e pessoas de forma diferente.

O que isto tem a ver com o marketing? Da mesma maneira que o estudo é capaz de obter respostas às reações dos consumidores, outros estudos podem e estão sendo realizados para mostrar como se comporta o indivíduo, através de alguns estímulos provocados. Com base nestas respostas, com alto grau de confiança estatística, os estudiosos de marketing podem fazer afirmações e utilizar os resultados para suportar suas ações de marketing mix.

Ou seja, começa-se a ter um melhor entendimento das reações do consumidor e não apenas apostas nas possíveis reações às ações de marketing, com base em pesquisas tradicionais. Mostrando que o entendimento do consumidor é essencial para determinar o sucesso de um lançamento de um produto, muitas empresas começam, cada vez mais, a utilizar o ferramental da neurociência para basear decisões de negócios. Escolas, cada vez, mais abrem espaços para disciplinas relacionadas com o tema. Ou seja, há um esforço claro de, quase literalmente, entrar na mente do consumidor.

Moacyr Ferreira

P.S.: Se alguém se interessar pelo tema de neurociência, mande-me um email para moacyr2ferreira@gmail.com e eu coloco a pessoa em contato com a Luna, da Nielsen, que conhece tudo e mais um pouco sobre o tema.

Nenhum comentário:

Postar um comentário