sexta-feira, 15 de junho de 2012

Todo valor tem seu preço

Já é sabido que valor e preço não é a mesma coisa. Quanto mais desalinhados, pior o resultado para os dois lados: comprador e vendedor. O grande desafio, nesta questão, é o de capturar e criar valor que possa representar a expectativa do vendedor e que, igualmente, seja legitimamente aceito pelos compradores. Este post é baseado em alguns capítulos do livro Estratégia e Táticas de Preços (Nagle e Hogan) tratando desta questão e com algumas soluções interessantes, embora não totalmente práticas.
Estimativa de Valor Econômico (EVE) é um modelo apresenta o conceito de valor com duas componentes: uma relacionada com um valor de referência, outra com valor diferenciado. A primeira facilmente obtida através de comparações com produtos similares aos dos competidores. A segunda, mais relacionada com a criação de valor. Justamente esta segunda componente fará a diferença na precificação orientada para a captura de valor. Se bem entendida e absorvida pelo consumidor, trará um efeito de lealdade, capaz de gerar lucratividade superior. O ponto central é a criação de um sentido de valor para o consumidor e a formação de um preço que reflita a expectativa de valor, traduzida em lucratividades superiores e não simplesmente no valor de troca, que muitas vezes precifica o produto acima ou, eventualmente, abaixo do preço justo.
Mas o que é preço justo? Se o valor depende do julgamento de cada consumidor, como dizer que um preço é justo e que reflete ou não o valor associado? Como garantir que um valor criado na mente do vendedor foi corretamente estruturado e comunicado de forma eficaz, já que ele depende da interpretação e ação de vários agentes até o alcance final do consumidor? Estas são perguntas relevantes que nos levam à estruturação de uma proposta mais consistente para abordar a criação e comunicação de valor.
Do Marketing tradicional, temos a abordagem da divisão do mercado em segmentos de clientes, baseados em seus comportamentos, para então definir-se o público-alvo que se deseja atacar. O livro propõe uma abordagem de segmentação diferente, baseada em valor, ao contrário de comportamento do consumidor. Uma boa segmentação baseada em valor faz com que o vendedor seja capaz de adequar a comunicação aos diversos segmentos, de maneira específica, tentando endereçar o que de fato seria capaz de sensibilizar a questão de valor associado ao preço na mente destes consumidores pertencentes ao segmento em questão.
Para uma segmentação baseada em valor, temos os seguintes passos propostos:
1)     Determinação de critérios básicos para segmentação baseada em valor;
2)     Identificação de direcionadores de valor;
3)     Determinação de segmentos que podem ser facilmente atendidos e suas limitações;
4)     Criação de uma segmentação primária e secundária;
5)     Criação de uma descrição detalhada de cada segmento;
6)     Descrição das métricas e barreiras do segmento.
A segmentação adequada é uma parte da equação da criação de valor. Outra parcela igualmente importante é a comunicação. Porém, para poder obter uma comunicação efetiva, é essencialmente importante que o vendedor tenha um profundo conhecimento do negócio e do cliente associado a este negócio. Somente através deste conhecimento o vendedor poderá adotar estratégias orientadas a cada segmento, de maneira efetiva.
O livro propõe quatro estratégias para uma efetiva comunicação de valor:
1)     Comunicação de valor econômico: Comunicar informações objetivas de que o valor econômico diferencial justifica o preço. Esta estratégia é muito útil para produtos que possuem baixo custo relativo no processo de busca de informação e alto valor econômico. Ex.: Máquinas industriais.
2)     Garantia de valor econômico: Comunicar garantias de que o valor econômico diferencial justifica o preço. Muito útil para produtos que requerem alto custo relativo de busca de informações para a decisão e alto impacto econômico. Ex: Carros e seus benefícios associados (tangíveis e intangíveis).
3)     Associações de benefício psicológico. Comunicar a relação entre desempenho e benefícios subjetivos para justificar o preço.  Útil para produtos que requerem baixo custo relativo de busca de informações para a decisão e baixo impacto econômico. Ex: Roupas.
4)     Garantia de benefícios psicológicos: Comunicar garantias de que o desempenho diferencial afeta os benefícios subjetivos que justificam o preço.  Útil para produtos que requerem alto custo relativo de busca de informações para a decisão e baixo impacto econômico. Ex: Eletrodomésticos.
Vemos que algumas das estratégias de comunicação possuem uma forte componente sobre o psicológico dos consumidores. Quando falamos do esforço de comunicação, fico me perguntando sobre a questão ética associada com esta influência. Tenho uma forte impressão pessoal, que de maneira geral, os esforços de comunicação, sobretudo na mídia, reforçam muito mais o aspecto psicológico do consumidor mexendo com o emocional das pessoas, ou através de uma abordagem baseada mais na habilidade do vendedor de comunicar-se do que propriamente no conhecimento sobre o produto, o mercado e o cliente. Em alguns casos, é quase uma abordagem coercitiva, do tipo “Se você comprar o produto A, você será mais feliz” ou “Não seja como os outros, compre o produto A e destaque-se em relação aos outros”. Explora-se muito o senso de “pertencimento” e “exclusão”, relevando a um segundo plano a característica funcional e a utilidade e valoração, por parte do cliente. O cliente será muito importante, desde que compre! Nesta abordagem, o valor de troca prevalece sobre o valor de uso.
Até que ponto a busca pela criação e transmissão de valor não esbarra em questões éticas, induzindo as pessoas a aceitarem o valor transmitido, através da manipulação da mensagem, convertendo este esforço de comunicação em preços pagos acima do que o consumidor realmente identificaria como valor? Não seria mais adequado que a discussão de valor estivesse no centro desta questão ética, evitando processos de soma zero atrelados a barganhas e táticas de negociação?
Independente da questão ética, a segmentação proposta em valor traz uma vantagem: ela foca no segmento a ser abordado para criação e captura de valor e apresenta os valores diferenciadores. Uma comparação com a segmentação clássica do marketing mostra que quanto mais um produto for diferenciado, maior será o preço alcançado, para um determinado segmento, uma vez que este valor diferenciado seja transmitido corretamente. Não é um esforço individual de uma área, como a de Marketing, mas um esforço conjunto das várias áreas envolvidas na cadeia de valor.
Se você acha que você não está exposto a estas técnicas, procure prestar mais atenção em como produtos e mensagens são dispostos em lojas e supermercados. Você pode ter uma grande surpresa ao se identificar mais como uma “cobaia compradora” do que um “consumidor racional”. Nem me refiro ao ímpeto ou impulso de compra, mas mais à indução do arranjo dos produtos, da criação do ambiente, do estímulo dos níveis sensoriais e da sedução e atração para a efetivação d compra.
Uma grande limitação no modelo proposto pelo livro é o valor associado com a investigação e entendimento profundo do consumidor, como base para a segmentação. A contratação de institutos de pesquisa pode ser uma boa alternativa, mas, talvez, cara. Outro ponto é que ainda que pesquisas sejam feita, o contexto nunca será representado de maneira fiel, pois assim como o mundo muda, com novas tecnologias e fatos, as pessoas também mudam. O que é um valor hoje pode não ser mais amanhã.  O celular, pra você, é uma conveniência para comunicar-se, como era há 10 anos atrás, ou é um símbolo de status? Você compra produtos pela utilidade ou pela conveniência pessoal?
Portanto, pense bem na questão de valor. A diferença entre o valor e o preço pode ser o que você deixa de ganhar, como vendedor, ou deixa de economizar, como consumidor.
Um grande abraço.
Moacyr Ferreira

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