sábado, 14 de abril de 2012

Falando um pouquinho sobre fusão

Há algumas semanas atrás, fui solicitado a escrever sobre fusões e aquisições. Embora não seja um especialista na área, posso contar um pouco sobre o que vi e vivi em processos de fusão. Em um futuro próximo poderei voltar ao tema com mais propriedade e profundidade. Por ora, vou limitar-me a expressar algumas opiniões, fazendo referências a alguns textos que tive acesso para que o tema não fique somente no “achismo”.

A definição de fusão referencia-se a uma operação societária que envolve duas ou mais empresas que juntam seus patrimônios para formar uma nova sociedade comercial, o que faz com que elas passem a não existir mais individualmente. A fusão pode ocorrer por distintas razões estratégicas: proteção de margens, sinergia de custos, maior presença no mercado, etc. Enfim, razões que justifiquem a não existência das empresas separadas em nome de algum benefício que possa ser alcançado com elas trabalhando juntas.

Surge uma primeira questão nesta definição que trata do tema de “juntar pratrimônios”: como balancear o poder entre as empresas para que uma não predomine sobre a outra? A fusão, na maioria dos casos, pressupõe uma relação entre iguais. Daí, então, a necessidade de uma boa avaliação, e, em alguns casos, uma reavaliação de ativos, para certificar-se que os patrimônios estão corretamente “precificados” para então proceder ao processo de fusão destes patrimônios. Apesar de ser uma questão delicada e complexa, o tema passa por critérios técnicos, com o suporte de empresas muito especializadas na questão de avaliação de ativos, o que facilita o processo decisório.

A fusão é uma oportunidade rara que as empresas têm para revisão dos propósitos de sua existência (visão, missão), as bases de sustentação para a criação desta empresa (valores) e uma nova definição sobre processos e ferramentas que direcionarão as pessoas em torno de práticas comuns e alinhadas.

As bases de sustentação para a criação da nova empresa serão um dos elementos mais importantes na criação da nova cultura. Afinal, a fusão não considera que a cultura de uma empresa deva prevalecer sobre a outra, tomada por um critério subjetivo de avaliação de qual é a melhor para ser adotada. É um novo momento para ambas, agora na configuração de uma empresa única. Um momento onde a soma de duas empresas criará uma nova empresa que deverá, sim, trazer o melhor de cada uma, sem, necessariamente, fazer disto uma colcha de retalhos, que tenta manter a melhor prática com base em um contexto antigo e não em um novo, como deveria ser o caso.

No momento da fusão, aparecerão os ativos intangíveis que poderão impactar para o bem ou para o mal os resultados financeiros das empresas. Falar de cultura, como diz Gareth Morgan em seu livro Imagens da Organização, é falar da criação de um sistema com significado comum entre os agentes, criado a partir das características dos indivíduos e da interação entre os mesmos. Trata-se do compartilhamento de valores que são validados nas práticas do dia-a-dia e não somente em uma bela placa ou site corporativo. A cultura será o fator preponderante para delinear o caráter da organização. Quando a organização diz uma coisa e pratica outra, ela permite a criação de sub-culturas fragmentadas e dos chamados “silos” que permearão os diferentes níveis da organização.  É neste ponto que a liderança terá papel fundamental. No processo de fusão, não bastará a escolha das pessoas mais experientes para a composição do quadro de liderança. Será necessário a escolha das pessoas mais preparadas para a fundamentação desta nova cultura que terá o papel de solidificar os valores que suportarão a estratégia da empresa.

Existe uma lenda que diz que em sua vida profissional, dificilmente você sobreviverá sem ter passado por ao menos um processo de fusão. Quando falamos de definição de organogramas, processos, ferramental, as empresas, com o auxílio de consultorias especializadas, fazem um trabalho primoroso, do ponto de vista teórico, porque na prática, a teoria pode ser outra. Não há nada de errado com o esforço de definição destes pontos técnicos empresariais, a não ser o fato de que se os indivíduos não estiverem preparados e engajados no processo de criação desta empresa, o que surgirá será uma outra organização que pouco a pouco evidenciará suas inconsistências, o que é pior, nos resultados financeiros apresentados em “dark red bold”.

Um processo de fusão deveria considerar um auxílio especializado de uma consultoria capaz de tratar do tema de governança e desenvolvimento de liderança, da mesma forma como trata os temas mais técnicos (financeiros, jurídicos, etc), criando referências internas que simbolizem o discurso que a organização quer criar como valores e trabalhando o aspecto de comunicação de forma clara e transparente, para que, no dia-a-dia, as pessoas validem estes discursos e os tomem como verdadeiros. Vários exemplos de fusões, ao longo de nossa história, mostram que muitas fracassaram, ou sofreram muito, por subestimar o aspecto subjetivo atrás dos ativos intangíveis, descobrindo muito tardiamente que era tempo de tomada de novas decisões, muitas delas com efeitos mais drásticos e definitivos sobre a cultura, do que o quadro que se apresentava anteriormente.

Portanto, fusões sempre levarão em conta aspectos fiscais, trabalhistas, jurídicos, empresariais, etc, em consideração. O que precisa ser melhor refletido é o aspecto mais subjetivo sobre a questão: Como trabalhar os chamados ativos intangíveis (ex: cultura, interesses societários, etc) no processo de avaliação da fusão e como tratá-los, antes e durante o processo de fusão. A falta de tratamento sobre esta questão proporcionará o aparecimento da individualidade (e seus perfis exóticos) na disputa por posicionamento interno e poder, que poderão beneficiar alguns, mas, certamente, não todos, principalmente no médio e longo prazo.
Um grande abraço.
Moacyr Ferreira


Um comentário:

  1. Oi Moacyr

    Em casos de fusões de empresas muito grandes, pergunto-me o seguinte: falando de ativos tangíveis, embora desejável, será que é exequível analisar processo a processo, ferramenta a ferramenta, etc, para se escolher os melhores?

    Em termos práticos, fazer uma análise criteriosa de tudo o que cada parte traz para a fusão e decidir pelo melhor talvez não seja factível do ponto de vista da complexidade e esforço requeridos, podendo levar anos de análise e adaptações adicionais.

    Sem usar isto como desculpa para simplificações mal feitas, talvez este seja um dos motivos pelos quais esta 'junção' de dois universos diferentes acabe normalmente com a prevalência de um deles. Além, é claro, de outros motivos - nem sempre claros para todos - que estão por traz das bases estabelecidas para a operação.

    Com relação aos ativos intangíveis, concordo com você que eles têm um impacto tremendo, provavelmente muitas vezes subestimado.

    Acompanho (indiretamente) a fusão de duas empresas gigantes da área de alimentos no Brasil. Na prática, o que está ocorrendo é que a cultura de uma das duas está se sobrepondo a outra neste processo e resulta que uma quantidade enorme de pessoas da outra parte está deixando a nova empresa espontaneamente (mesmo gerentes com mais de 20 anos de casa) por sentirem-se totalmente desconectados da nova cultura.

    Neste tipo de operação, feliz ou infelizmente, vale aquela máxima que diz que "não se faz uma omelete sem se quebrar os ovos".

    Forte abraço.

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