Há algumas semanas atrás, fui solicitado a escrever
sobre fusões e aquisições. Embora não seja um especialista na área, posso
contar um pouco sobre o que vi e vivi em processos de fusão. Em um futuro
próximo poderei voltar ao tema com mais propriedade e profundidade. Por ora,
vou limitar-me a expressar algumas opiniões, fazendo referências a alguns
textos que tive acesso para que o tema não fique somente no “achismo”.
A definição de fusão referencia-se a uma operação
societária que envolve duas ou mais empresas que juntam seus patrimônios para
formar uma nova sociedade comercial, o que faz com que elas passem a não
existir mais individualmente. A fusão pode ocorrer por distintas razões
estratégicas: proteção de margens, sinergia de custos, maior presença no
mercado, etc. Enfim, razões que justifiquem a não existência das empresas
separadas em nome de algum benefício que possa ser alcançado com elas
trabalhando juntas.
Surge uma primeira questão nesta definição que trata
do tema de “juntar pratrimônios”: como balancear o poder entre as empresas para
que uma não predomine sobre a outra? A fusão, na maioria dos casos, pressupõe
uma relação entre iguais. Daí, então, a necessidade de uma boa avaliação, e, em
alguns casos, uma reavaliação de ativos, para certificar-se que os patrimônios
estão corretamente “precificados” para então proceder ao processo de fusão destes
patrimônios. Apesar de ser uma questão delicada e complexa, o tema passa por
critérios técnicos, com o suporte de empresas muito especializadas na questão
de avaliação de ativos, o que facilita o processo decisório.
A fusão é uma oportunidade rara que as empresas têm
para revisão dos propósitos de sua existência (visão, missão), as bases de
sustentação para a criação desta empresa (valores) e uma nova definição sobre
processos e ferramentas que direcionarão as pessoas em torno de práticas comuns
e alinhadas.
As bases de sustentação para a criação da nova empresa
serão um dos elementos mais importantes na criação da nova cultura. Afinal, a
fusão não considera que a cultura de uma empresa deva prevalecer sobre a outra,
tomada por um critério subjetivo de avaliação de qual é a melhor para ser
adotada. É um novo momento para ambas, agora na configuração de uma empresa
única. Um momento onde a soma de duas empresas criará uma nova empresa que
deverá, sim, trazer o melhor de cada uma, sem, necessariamente, fazer disto uma
colcha de retalhos, que tenta manter a melhor prática com base em um contexto
antigo e não em um novo, como deveria ser o caso.
No momento da fusão, aparecerão os ativos intangíveis
que poderão impactar para o bem ou para o mal os resultados financeiros das
empresas. Falar de cultura, como diz Gareth Morgan em seu livro Imagens da
Organização, é falar da criação de um sistema com significado comum entre os
agentes, criado a partir das características dos indivíduos e da interação
entre os mesmos. Trata-se do compartilhamento de valores que são validados nas
práticas do dia-a-dia e não somente em uma bela placa ou site corporativo. A
cultura será o fator preponderante para delinear o caráter da organização.
Quando a organização diz uma coisa e pratica outra, ela permite a criação de
sub-culturas fragmentadas e dos chamados “silos” que permearão os diferentes
níveis da organização. É neste ponto que
a liderança terá papel fundamental. No processo de fusão, não bastará a escolha
das pessoas mais experientes para a composição do quadro de liderança. Será
necessário a escolha das pessoas mais preparadas para a fundamentação desta
nova cultura que terá o papel de solidificar os valores que suportarão a
estratégia da empresa.
Existe uma lenda que diz que em sua vida profissional,
dificilmente você sobreviverá sem ter passado por ao menos um processo de
fusão. Quando falamos de definição de organogramas, processos, ferramental, as
empresas, com o auxílio de consultorias especializadas, fazem um trabalho
primoroso, do ponto de vista teórico, porque na prática, a teoria pode ser
outra. Não há nada de errado com o esforço de definição destes pontos técnicos
empresariais, a não ser o fato de que se os indivíduos não estiverem preparados
e engajados no processo de criação desta empresa, o que surgirá será uma outra
organização que pouco a pouco evidenciará suas inconsistências, o que é pior,
nos resultados financeiros apresentados em “dark red bold”.
Um processo de fusão deveria considerar um auxílio
especializado de uma consultoria capaz de tratar do tema de governança e
desenvolvimento de liderança, da mesma forma como trata os temas mais técnicos
(financeiros, jurídicos, etc), criando referências internas que simbolizem o
discurso que a organização quer criar como valores e trabalhando o aspecto de comunicação
de forma clara e transparente, para que, no dia-a-dia, as pessoas validem estes
discursos e os tomem como verdadeiros. Vários exemplos de fusões, ao longo de
nossa história, mostram que muitas fracassaram, ou sofreram muito, por
subestimar o aspecto subjetivo atrás dos ativos intangíveis, descobrindo muito
tardiamente que era tempo de tomada de novas decisões, muitas delas com efeitos
mais drásticos e definitivos sobre a cultura, do que o quadro que se
apresentava anteriormente.
Portanto, fusões sempre levarão em conta aspectos
fiscais, trabalhistas, jurídicos, empresariais, etc, em consideração. O que
precisa ser melhor refletido é o aspecto mais subjetivo sobre a questão: Como
trabalhar os chamados ativos intangíveis (ex: cultura, interesses societários,
etc) no processo de avaliação da fusão e como tratá-los, antes e durante o
processo de fusão. A falta de tratamento sobre esta questão proporcionará o
aparecimento da individualidade (e seus perfis exóticos) na disputa por
posicionamento interno e poder, que poderão beneficiar alguns, mas, certamente,
não todos, principalmente no médio e longo prazo.
Um grande abraço.
Moacyr Ferreira
Oi Moacyr
ResponderExcluirEm casos de fusões de empresas muito grandes, pergunto-me o seguinte: falando de ativos tangíveis, embora desejável, será que é exequível analisar processo a processo, ferramenta a ferramenta, etc, para se escolher os melhores?
Em termos práticos, fazer uma análise criteriosa de tudo o que cada parte traz para a fusão e decidir pelo melhor talvez não seja factível do ponto de vista da complexidade e esforço requeridos, podendo levar anos de análise e adaptações adicionais.
Sem usar isto como desculpa para simplificações mal feitas, talvez este seja um dos motivos pelos quais esta 'junção' de dois universos diferentes acabe normalmente com a prevalência de um deles. Além, é claro, de outros motivos - nem sempre claros para todos - que estão por traz das bases estabelecidas para a operação.
Com relação aos ativos intangíveis, concordo com você que eles têm um impacto tremendo, provavelmente muitas vezes subestimado.
Acompanho (indiretamente) a fusão de duas empresas gigantes da área de alimentos no Brasil. Na prática, o que está ocorrendo é que a cultura de uma das duas está se sobrepondo a outra neste processo e resulta que uma quantidade enorme de pessoas da outra parte está deixando a nova empresa espontaneamente (mesmo gerentes com mais de 20 anos de casa) por sentirem-se totalmente desconectados da nova cultura.
Neste tipo de operação, feliz ou infelizmente, vale aquela máxima que diz que "não se faz uma omelete sem se quebrar os ovos".
Forte abraço.