sexta-feira, 27 de abril de 2012

O que a Apple tem de tão sensacional?

Em um estudo recente que fizemos para uma disciplina de Marketing, resolvemos estudar a Apple, a partir de informações disponíveis para o público, e entender como alguns conceitos simples de Marketing se aplicam a esta empresa, particularmente à divisão de tablets, conhecido como iPad. Embora sendo um trabalho simples, ele se mostrou revelador do ponto de vista do quão consistente a empresa se apresenta para o mercado. Talvez, aí, nesta consistência da mensagem ao público esteja o grande sucesso da Apple, materializado na forma de produtos e seguidores que impulsionam a empresa cada vez mais para frente e para o alto.
A Apple foi a pioneira no mercado de Tablets, introduzindo o iPad em 2010 (Obs.: Estou adotando um critério de relevância comercial. Quem não concordar, fique à vontade para comentar). Esta abordagem de mercado aconteceu em um momento onde seus concorrentes principais estavam voltados para outros mercados específicos, como o de computadores pessoais e telefones móveis, onde a Apple já havia explorado com seu bem sucedido iPhone. O foco principal da empresa estava naquilo que hoje é tão falado como “A experiência do consumidor”, com a introdução de um dispositivo sensível ao toque, como já acontecia com o iPhone, porém em um tamanho maior, permitindo melhor visualização e diferentes usos. Aqui, acho que começa uma das primeiras vantagens da Apple através do aproveitamento de experiências anteriores como impulsionador de um novo produto, sem contar o aproveitamento de plataformas existentes, tais como Apple Store e sistema operacional iOS, além da sincronização automática de todos os dispositivos, com uma aplicação em “nuvem”, sem que o usuário precise tomar qualquer ação.
Um conceito importante no marketing é o de entrega de valor, composto pela seleção, fornecimento e comunicação do valor. Ao que tudo indica, Apple iniciou com a seleção de valor através da identificação de lacunas para preenchimento de necessidades não cobertas por produtos existentes, tais como Smartphones e Notebooks. O fornecimento de valor aconteceu através da antecipação das necessidades, com foco em poucos produtos, de simples concepção, mas tecnologicamente avançado, aliado a um design sofisticado e compatível com plataformas de software existentes. A comunicação não poderia ser mais brilhante, pois o que a Apple vende é um conceito, a criação de uma identidade, trabalhando-se com inovação, pioneirismo e qualidade. Não, por acaso, a Apple é capaz de criar uma grande comunidade de consumidores fieis, defensores da marca. Outro fato interessante é a grande amplitude de seu público alvo, não limitado a fatores demográficos (idade, sexo, local, etc). É, sim, um público específico no sentido de já terem experiências anteriores com Smartphones e Notebooks, mas fieis a ponto de olhar para o mercado de conteúdo legalizado com um olhar positivo, independente dos preços praticados, mas sim focados na experiência e no sentido de pertencimento ao clube de usuários e adoradores das soluções Apple.
Embora tendo um design simples (minimalista para alguns), mas sofisticado, um produto avançado tecnologicamente (ainda que muitos digam não ser o mais tecnológico), a Apple cedo entendeu que a batalha seria travada na plataforma e não no hardware. Com esta abordagem, foi capaz de reverter uma posição no mercado de Smartphones, antes dominado por empresas e produtos tradicionais, como Nokia e RIM (Blackberry). De forma ainda mais brilhante, foi capaz de blindar a entrada de novos competidores através da escolha de uma plataforma consagrada e bem aceita. Talvez, neste cenário, tenhamos a entrada da Microsoft, capaz de fazer frente com seu sistema operacional integrativo Windows 8. O fato é que novos entrantes terão uma imensa dificuldade de superação da criação de uma referência inicial imposta, com sucesso, pela Apple.
Claro que a Apple enfrenta alguns desafios, principalmente no que se refere a produtos substitutos, pois sua capacidade de armazenamento e conexão a dispositivos externos ainda é limitada. Será isto uma limitação ou parte da estratégia para alavancar o conceito de compartilhamento em nuvem?
Outro fator extremamente relevante está na composição de suas parcerias estratégicas com fornecedores, desenvolvedores de SW e aplicativos, capazes de criar uma comunidade tão forte a ponto de conseguir a prática de preços diferenciados para seus produtos, tornando uma compra de alto envolvimento emocional, fortalecendo ainda mais o senso de pertencimento ao mundo Apple.
Com base nas informações disponíveis, o público alvo para o iPad são usuários de tablet, com experiências anteriores com Smartphones e Notebooks, jovens adultos, homens e mulheres, na faixa de 30 a 50 anos, com renda mínima anual estimada em 60 KUSD. O posicionamento encontra suporte, principalmente nos pontos de diferença com seus concorrentes, relacionados ao enriquecimento da experiência do consumidor, utilização de plataformas integradas, aprendizagem e inovação contínua, parcerias estratégicas, foco em poucos produtos e a liderança e condução das tendências em uso de conteúdo e experiência do usuário.
A marca é algo tão profundo que nos leva a refletir na proposição de valor, fundamentada claramente na inovação, pioneirismo e qualidade, manifesta através de 4 dos 5 sentidos experimentados pelo ser humano. A construção consistente da marca possibilita um marketing mix diferenciado: Produtos com tecnologia, design e focado em experiência. Prática de preço “premium”, mas, ao mesmo tempo com oferta de conteúdo digital legalizado por preço acessível. Distribuição Global, porém com um balanço entre oferta e procura, para criar o efeito de desejo no consumidor. Comunicação absolutamente brilhante, focada em experiência diferenciada do usuário, design simples, mas sofisticado, tecnologia, inovação e qualidade.
É isto tudo e, principalmente, a consistência disto tudo que faz a Apple ser a empresa que é, capaz de dominar mercados e criar desejos nos consumidores. Capaz de arrebanhar uma legião de seguidores fieis, possuidores dos 3 principais produtos e, não raro, todos sendo utilizados ao mesmo tempo, por mais incrível que possa parecer. É a empresa criada a partir de um sonho de um grande empreendedor. Mas, mais do que isto, de um grande líder capaz de plantar este sonho na mente de seus colaboradores, parceiros e consumidores. Não, por acaso, você olha a silhueta de uma maça mordida e logo vem à mente uma mensagem positiva: Apple! Isto é marca, isto é valor, isto é riqueza!
Um grande abraço.
Moacyr Ferreira
P.S: Agradecimentos muito especiais a meus colegas de grupo do IAG PUC RJ: Diogo Mariani, Henry Canfield, Leandro Monteiro, Luna de Souza e Tito da Costa, que com suas contribuições abrilhantaram o trabalho apresentado em sala de aula.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Sustentabilidade: Até onde vai o conceito?

O post desta semana fala de um tema que mexe com o emocional de muita gente e faz renascer um espírito altruísta e interessado em “salvar a natureza”. Sustentabilidade, como tema, tem um apelo de participação individual muito grande, solicitando a participação de cada um para deixarmos um planeta melhor para as próximas gerações. Não tenho nada contra esta participação individual, mas será que o discurso não está um pouco distorcido e, talvez, pudesse ser colocado em uma perspectiva mais ampla?
Quando ouço pessoas com esta abordagem simplista, confesso que tenho um sentimento de incômodo com a arrogância mascarada nesta boa intenção: Um planeta que já passou por era glacial, que naturalmente tem seus processos de acomodação de placas tectônicas, e que se manifesta através de vulcões e erupções e, ainda sim, se recria a todo tempo precisa do ser humano para salvá-lo? Quem “está perdido” se o “caldo desandar” é o indivíduo e não a natureza, porque esta imporá sua vontade e se manifestará da forma que tiver de ser, independente do ser humano. Portanto, o discurso deveria ser “vamos salvar a humanidade através de práticas que garantam a sustentabilidade de sua existência!”

Mas aí, confesso que vem outro incômodo com a questão que, na grande maioria dos casos, endereça a questão para o “pensar verde”. Nada contra isto, também, mas seria apenas este aspecto que deveríamos pensar, quando tratamos de sustentabilidade? Certamente, não, e muitos têm feito isto.

Sustentabilidade, colocada de uma maneira simples, trata da relação equilibrada dos interesses dos diferentes agentes envolvidos em um determinado negócio. O conceito de sustentabilidade deve respeitar as dimensões ambientais, sociais e econômicas. Além disto, o conceito de sustentabilidade traz implícita a ideia temporal, ideia de equilíbrio entre as partes, gerenciamento de interesses e conflitos, além de aspectos motivadores. Sustentabilidade não é só falar de direitos, mas também de deveres entre os agentes.

Um ponto interessante sobre sustentabilidade aparece na intersecção com o tema de responsabilidade social corporativa. Um autor chamado Robert B. Reich, em seu texto “The new meaning of Corporate Social Responsibility” trata a questão não do ponto de vista do questionamento se as empresas deveriam ser socialmente responsáveis, mas, sim, como elas devem ser. Ele fala de uma participação capaz de alinhar interesses dos vários agentes, tais como trabalhadores, comunidade e investidores. Alguns defendem que o que é bom no longo prazo para os investidores, será bom no longo prazo para os “stakeholders”. Outro autor, chamado Morrissons, tem uma visão uma visão um pouco mais contundente relacionada com um comportamento ético da empresa para com a sociedade, incluindo não somente investidores, mas outros grupos de interesse com o negócio da empresa. Para Mackey uma dose de filantropia corporativa não é simplesmente um bom negócio, mas uma excelente estratégia de marketing. O interesse dos vários “stakeholders” poderá ser uma potencial ameaça para a empresa.

Aqui, surgem algumas questões que mistura o econômico com o social: como manter um equilíbrio em sociedades marcadas por um desequilíbrio social tão grande? Como fazer para não misturar responsabilidade social corporativa com filantropia barata, quase beirando uma ação de caridade? Como pesar sustentabilidade, de uma forma completa, com tais desequilíbrios existentes?

Às vezes, vejo o discurso da sustentabilidade com certa desconfiança. Parece ser um discurso um pouco apelativo, com uma abordagem carregada de emoção. Até que ponto este discurso não desvia a discussão sobre uma componente política, através de uma ótica de apropriação de lucro e dominação, gerando uma maior desigualdade na distribuição de renda, favorável ao modelo capitalista, que não é totalmente inclusivo? A preocupação com a natureza, preservação do meio ambiente é totalmente autêntica? Não estaria faltando uma dimensão política, apresentada de forma explícita, na proposição da sustentabilidade e não apenas relacionada ou embutida nas dimensões social e econômica?

Se pensarmos em ações, outro texto (Nidomolu_Prahalad_Rangaswami, 2009) mostra os desafios que uma organização deverá enfrentar para estar preparada para a questão de sustentabilidade:
- Lançar um olhar para as necessidades futuras e desafiar a organização para buscar os caminhos para alcançar estes objetivos. Ou seja, falar de sustentabilidade, não é olhar para o hoje, mas para o futuro e começar, desde então, a criar os mecanismos para alcançar as metas propostas;
- Assegurar que o aprendizado virá antes de grandes investimentos. Ou seja, começar pequeno, aprender rápido e crescer. Não basta ter grandes ideias e grandes investimentos. É preciso adquirir conhecimento, para não criar frustração. Este conhecimento pode ser adquirido de forma colaborativa, a partir de experiências passadas;
- Manter-se firme no propósito, mas com a flexibilidade necessária para fazer ajustes táticos que se farão necessários;
- Criar um ambiente cooperativo, para aumentar a capacidade;
- Valer-se de experiências globais, para aprender a fazer.

O tema é relevante, requer engajamento, mas, no meu modo de ver, requer uma definição mais clara de quem, de fato, são os agentes que podem fazer diferenças significativas, qual o papel e responsabilidade de cada um e como as ações serão executadas. Para isto, no meu modo de ver, boa vontade apenas não é suficiente. É preciso ter vontade política.

Obs.: Se for ler este post, não imprima!

Um grande abraço.
Moacyr Ferreira




sábado, 14 de abril de 2012

Falando um pouquinho sobre fusão

Há algumas semanas atrás, fui solicitado a escrever sobre fusões e aquisições. Embora não seja um especialista na área, posso contar um pouco sobre o que vi e vivi em processos de fusão. Em um futuro próximo poderei voltar ao tema com mais propriedade e profundidade. Por ora, vou limitar-me a expressar algumas opiniões, fazendo referências a alguns textos que tive acesso para que o tema não fique somente no “achismo”.

A definição de fusão referencia-se a uma operação societária que envolve duas ou mais empresas que juntam seus patrimônios para formar uma nova sociedade comercial, o que faz com que elas passem a não existir mais individualmente. A fusão pode ocorrer por distintas razões estratégicas: proteção de margens, sinergia de custos, maior presença no mercado, etc. Enfim, razões que justifiquem a não existência das empresas separadas em nome de algum benefício que possa ser alcançado com elas trabalhando juntas.

Surge uma primeira questão nesta definição que trata do tema de “juntar pratrimônios”: como balancear o poder entre as empresas para que uma não predomine sobre a outra? A fusão, na maioria dos casos, pressupõe uma relação entre iguais. Daí, então, a necessidade de uma boa avaliação, e, em alguns casos, uma reavaliação de ativos, para certificar-se que os patrimônios estão corretamente “precificados” para então proceder ao processo de fusão destes patrimônios. Apesar de ser uma questão delicada e complexa, o tema passa por critérios técnicos, com o suporte de empresas muito especializadas na questão de avaliação de ativos, o que facilita o processo decisório.

A fusão é uma oportunidade rara que as empresas têm para revisão dos propósitos de sua existência (visão, missão), as bases de sustentação para a criação desta empresa (valores) e uma nova definição sobre processos e ferramentas que direcionarão as pessoas em torno de práticas comuns e alinhadas.

As bases de sustentação para a criação da nova empresa serão um dos elementos mais importantes na criação da nova cultura. Afinal, a fusão não considera que a cultura de uma empresa deva prevalecer sobre a outra, tomada por um critério subjetivo de avaliação de qual é a melhor para ser adotada. É um novo momento para ambas, agora na configuração de uma empresa única. Um momento onde a soma de duas empresas criará uma nova empresa que deverá, sim, trazer o melhor de cada uma, sem, necessariamente, fazer disto uma colcha de retalhos, que tenta manter a melhor prática com base em um contexto antigo e não em um novo, como deveria ser o caso.

No momento da fusão, aparecerão os ativos intangíveis que poderão impactar para o bem ou para o mal os resultados financeiros das empresas. Falar de cultura, como diz Gareth Morgan em seu livro Imagens da Organização, é falar da criação de um sistema com significado comum entre os agentes, criado a partir das características dos indivíduos e da interação entre os mesmos. Trata-se do compartilhamento de valores que são validados nas práticas do dia-a-dia e não somente em uma bela placa ou site corporativo. A cultura será o fator preponderante para delinear o caráter da organização. Quando a organização diz uma coisa e pratica outra, ela permite a criação de sub-culturas fragmentadas e dos chamados “silos” que permearão os diferentes níveis da organização.  É neste ponto que a liderança terá papel fundamental. No processo de fusão, não bastará a escolha das pessoas mais experientes para a composição do quadro de liderança. Será necessário a escolha das pessoas mais preparadas para a fundamentação desta nova cultura que terá o papel de solidificar os valores que suportarão a estratégia da empresa.

Existe uma lenda que diz que em sua vida profissional, dificilmente você sobreviverá sem ter passado por ao menos um processo de fusão. Quando falamos de definição de organogramas, processos, ferramental, as empresas, com o auxílio de consultorias especializadas, fazem um trabalho primoroso, do ponto de vista teórico, porque na prática, a teoria pode ser outra. Não há nada de errado com o esforço de definição destes pontos técnicos empresariais, a não ser o fato de que se os indivíduos não estiverem preparados e engajados no processo de criação desta empresa, o que surgirá será uma outra organização que pouco a pouco evidenciará suas inconsistências, o que é pior, nos resultados financeiros apresentados em “dark red bold”.

Um processo de fusão deveria considerar um auxílio especializado de uma consultoria capaz de tratar do tema de governança e desenvolvimento de liderança, da mesma forma como trata os temas mais técnicos (financeiros, jurídicos, etc), criando referências internas que simbolizem o discurso que a organização quer criar como valores e trabalhando o aspecto de comunicação de forma clara e transparente, para que, no dia-a-dia, as pessoas validem estes discursos e os tomem como verdadeiros. Vários exemplos de fusões, ao longo de nossa história, mostram que muitas fracassaram, ou sofreram muito, por subestimar o aspecto subjetivo atrás dos ativos intangíveis, descobrindo muito tardiamente que era tempo de tomada de novas decisões, muitas delas com efeitos mais drásticos e definitivos sobre a cultura, do que o quadro que se apresentava anteriormente.

Portanto, fusões sempre levarão em conta aspectos fiscais, trabalhistas, jurídicos, empresariais, etc, em consideração. O que precisa ser melhor refletido é o aspecto mais subjetivo sobre a questão: Como trabalhar os chamados ativos intangíveis (ex: cultura, interesses societários, etc) no processo de avaliação da fusão e como tratá-los, antes e durante o processo de fusão. A falta de tratamento sobre esta questão proporcionará o aparecimento da individualidade (e seus perfis exóticos) na disputa por posicionamento interno e poder, que poderão beneficiar alguns, mas, certamente, não todos, principalmente no médio e longo prazo.
Um grande abraço.
Moacyr Ferreira


quinta-feira, 5 de abril de 2012

Confiança é mais que uma palavra. É um grande ativo para as empresas.

Recentemente, deparei-me com um texto do Prof. Marco Túlio Zanini (Capítulo 3 do livro Gestão Integrada de Ativos Intangíveis) e achei interessante trazer para este blog, pois ele trata de uma questão importante nas organizações, que bem estruturada, pode ser grande diferencial competitivo, pois a qualidade das relações humanas dentro da empresa dificilmente poderá ser copiada por outra empresa.
O texto tem como ponto central a discussão sobre a criação de um ambiente organizacional de confiança capaz de promover um aspecto de flexibilidade, comprometimento e inovação que permita à organização criar um sistema mais eficiente e, potencialmente, uma vantagem competitiva, sustentável e difícil de ser copiada, conforme a conceituação de Michael Porter. Segundo Kenneth Arrow, a confiança é o lubrificante de um sistema social. A criação de um ambiente de confiança ajuda na redução de algumas ineficiências organizacionais, tais como conflitos, ajudando a promover formas de cooperação voluntária e espontânea, aumentando a eficiência dos relacionamentos e as interações diárias dos indivíduos. Além disto, um ambiente de confiança pode ser capaz de trazer motivação adicional, satisfação e o comprometimento das pessoas que interagem nesta sociedade baseada em alta confiança.
Mas se é tão bom criar os tais ambientes de alta confiança, por vemos as organizações convivendo com baixos padrões de eficiência? Uma pista para esta resposta pode estar relacionado com a busca incessante de resultados de curto prazo, estimulando práticas de gestão baseadas em mecanismos de pressão individual. Em ambientes de baixa confiança, os indivíduos procuram defender-se constantemente, procurando minimizar as perdas, que podem decorrer das interações, e tentam preservar direitos já adquiridos. Fica claro que em ambientes de baixa confiança um aspecto de ineficiência é intrínseco a este tipo de organização. A pressão sobre o indivíduo, na busca do resultado de curto prazo, a qualquer custo, impacta a relação de confiança, base para a busca de benefícios que poderiam ser trazidos pelas relações sociais de longo prazo. A confiança é uma variável sensível, dependente das interações repetidas entre os indivíduos, e sua presença é fruto de um ciclo social virtuoso que se retroalimenta ao longo do tempo. Não dá pra simplesmente pedir que um time coopere e desenvolva confiança uns nos outros. É preciso criar as bases para que isto aconteça e a liderança tem papel fundamental nisto. Em um ambiente de baixa confiança, surgem os oportunistas, capazes de adequar-se rapidamente a este mecanismo individual, buscando-se levar o máximo possível de vantagem, impactando a base de criação de um mecanismo de ganhos mútuos, advindos do esforço coletivo voltado para uma sustentabilidade de longo prazo da organização.
Em tais ambientes de baixa confiança, tende-se a desconfiar da capacidade do indivíduo e minimizar sua atuação, afastando este indivíduo de atividades mais autônomas e de maior responsabilidade. A deterioração desta relação cria ainda mais incertezas sobre o futuro dos indivíduos na organização, fazendo com que estes foquem ainda mais nos ganhos imediatos, baseados em seus comportamentos individuais, diminuindo a probabilidade de criar-se um ambiente de cooperação espontânea, principalmente nos níveis hierárquicos mais baixos. A consequência disto é uma maior dificuldade de interação entre os indivíduos, levando-se a um custo de transação maior entre eles, gerando uma maior ineficiência ao sistema.
Culturas baseadas em relações de confiança possuem, em geral, as seguintes características: trabalham mais com visões estratégicas que em controle burocrático, praticam a meritocracia e transparência na gestão, reduzem zonas de ambigüidade, geram cooperação espontânea, punem comportamentos oportunistas e estimulam comportamentos cooperativos, criam a percepção de reputação interna e “accountability” e coordenam atividades de modo informal. A criação de um ambiente de alta confiança leva, portanto, à criação de um “intangível” de valor inestimável, trazendo vantagens, tais como: flexibilidade organizacional; capacidade de adaptação; inovação e criatividade; alinhamento de interesses individuais e organizacionais; qualidade dos sistemas produtivos; sustentabilidade do negocio.
As organizações modernas sofrem com a deterioração dos relacionamentos e do vínculo estabelecido entre estas organizações e seus empregados, numa relação conveniente de curto prazo, com alta rotatividade, como forma do indivíduo buscar um ganho imediato que não pode ser garantido com uma única empresa, devido ao ambiente de baixa confiança, onde as variáveis podem mudar e este indivíduo pode ser descartado. Para aqueles indivíduos que a empresa tem um interesse maior em manter, as empresas buscam, muitas vezes, mecanismos de compensação financeira. Porém, para empresas que pensam em estratégias de retenção, para sustentabilidade de seu negócio, torna-se importante a gestão por meio de mecanismos sociais e não apenas de remuneração. Não é sem razão que as empresas tidas como grandes empresas para se trabalhar ganham destaque no mercado de trabalho, atraindo, espontaneamente, trabalhadores qualificados interessados em pertencer a este ambiente sócio econômico. Uma empresa com um clima de baixa confiança, ao contrário, afastará os melhores talentos. O grande desafio que se apresenta para a gestão de ativos intangíveis encontra-se na formação de executivos, capazes de compreender a importância da criação de ambientes de alta confiança e capazes de balancear resultados de curto prazo com elementos de sustentação socioeconômicos baseado em relações e compromissos de longo prazo. A confiança pode ser compreendida como um mecanismo social para o bom exercício da governança corporativa e a construção mais eficiente de ferramentas de governança. A relação de confiança envolvendo gerência executiva, gerência média e empregados é importante e de interesse dos acionistas, pois é fundamental para a eficiência operacional e para a apuração dos resultados organizacionais.
Um estilo de gestão que valoriza demasiadamente o desempenho individual enfatiza a busca direta de interesses egoístas. Isso aumenta as chances de emergirem, de forma solitária e isolada, a ameaça e o medo de falta de reconhecimento, insucesso, fracasso ou exclusão. Num momento de grande “comoditização” de produtos, um diferencial competitivo de mercado é adotar uma gestão que privilegie a liberdade individual e tenha como premissa maior a autonomia para o individuo, visando incentivar a criatividade e a estimular processos de inovação. Um estilo de gestão baseado no medo vai contra essa lógica de produção.
A gestão de confiança está relacionada com a gestão da cultura corporativa capaz de estabelecer princípios compartilhados de forma a assegurar benefícios mútuos no longo prazo. Uma organização que prega um determinado discurso, mas pratica outro, é facilmente percebida negativamente pelos indivíduos, impactando sua relação e a construção de uma rede social saudável.
A criação de um ambiente de alta confiança é acima de tudo uma mudança de mentalidade nas organizações, que se apresenta como um enorme desafio nas organizações modernas, cada vez mais dependentes dos resultados de curto prazo, para sua própria existência e para o estabelecimento de troca com os indivíduos, através dos benefícios que ela pode gerar.
A tarefa pode ser difícil, com escolhas duras, mas, por outro lado, quanto tempo uma organização que apresenta sinais de ineficiência poderá sustentar-se no mercado de maneira competitiva? As organizações podem estar adoecendo, formando indivíduos igualmente doentes e a pista para este diagnóstico pode estar nos relatórios financeiros, onde um intangível pode ser capaz de destruir o valor da empresa, de forma silenciosa.
Boa Páscoa!
Moacyr Ferreira