“À luz de quem?”. Esta seria uma primeira reação razoável, ao deparar-se com o título do post. Não estou ingerindo bebida alcoólica e, portanto, posso garantir que o texto que vem pela frente foi concebido no estado mais sóbrio que um ser humano pode encontrar-se. O tema foi escolhido com base em um artigo da professora Ana Heloisa da Costa Lemos (Empregabilidade e Sociedade disciplinar; Uma análise do discurso do trabalho contemporâneo à luz de categorias Foucaltianas) e provoca uma reflexão sobre a argumentação de flexibilidade e autonomia adquirida pelo indivíduo ao trabalhar sua empregabilidade.
A autora propõe duas questões interessantes:
Quem é mais livre: o trabalhador que aumentou sua empregabilidade, movendo-se com mais flexibilidade de um emprego a outro, ou aquele que trabalhou por anos em uma única empresa?
O que pesa mais nos ombros do trabalhador: a sujeição ao emprego em uma única organização ou ao movimento contínuo em busca da propalada autonomia profissional?
As transformações do mundo econômico e os avanços tecnológicos modificaram as relações trabalhistas, levando aos poucos ao fim do que conhecíamos como “emprego”, sem que haja o fim do trabalho. Surgem novas relações trabalhistas onde os indivíduos buscam sua inserção no mercado de trabalho casando interesses pessoais de desenvolvimento profissional com interesses econômico-financeiros das empresas. Na esteira desta mudança, vemos o enfraquecimento do sindicato e um reforço no aspecto individual como defensor de interesses de desenvolvimento de carreira.
Esta modificação na busca por esta inserção no mercado, faz com que o indivíduo seja levado a uma constante necessidade de atualização, através de uma auto-gestão de sua carreira. O trabalhador passa a ser encarado como um “negócio próprio”, com base no auto-controle e auto-disciplina. Curiosamente, esta auto-disciplina exerce um fator de controle maior do que o que seria exercido pelas organizações, através de um comprometimento subjetivo, como única forma de garantir o desenvolvimento individual.
A empregabilidade passa a ser um discurso aceito pela sociedade, de acordo com sua época e cultura, como um discurso verdadeiro. Segundo Foucalt, é como se os micro-poderes, exercido por cada indivíduo, atuasse em práticas ou relações de poder que influenciam na confirmação da verdade. O fato é que o discurso da empregabilidade tomado como verdadeiro desloca o eixo da responsabilidade mais para o indivíduo do que para a empresa, no que diz respeito ao seu desenvolvimento de carreira.
O trabalhador-herói será aquele capaz de estabelecer metas e dirigir seus interesses pessoais e profissionais através do desenvolvimento permanente de suas habilidades e conhecimentos. Porém, esta autonomia é limitada, pois não depende exclusivamente do indivíduo a escolha final, pois existirão outros elementos não controláveis que podem limitar esta decisão (Ex.: Vagas abertas, Renda disponível para investimento em treinamentos, condições favoráveis da economia, etc.).
Na busca pela inserção no mercado, já que a estabilidade dos empregos formais já não existe, o indivíduo passa a um estado de vigilância permanente, como na visão do Panóptico concebido por Betham (prisão circular com um prédio central com visibilidade para cada cela individual, de modo que todos podem ser observados, mas não podem saber se estão ou não sendo vigiados pelo prédio central, por não ter esta visibilidade, criando um estado de atenção permanente de vigilância, ainda que ela não exista). Dadas as mudanças externas, o indivíduo sente-se constantemente ameaçado quanto sua inserção no mercado, levando a uma atitude constante de auto-exame, ainda que ninguém o esteja vigiando para isto. Passa-se a ter uma sociedade do controle, levando a uma demanda por formação permanente, como forma de adaptação às demandas mutantes da esfera produtiva, trazendo, com isto, um aspecto de subserviência.
Onde quero chegar com esta conversa? Se a proposição sobre a empregabilidade, influenciando o auto-desenvolvimento dos indivíduos fosse um processo praticado somente pelos micro-poderes de Foucalt, em cada pessoa, não haveria nenhum grande problema na demanda do mundo atual por desenvolvimento de requisitos, habilidades e competências creditadas como verdadeiras para a inserção no mercado de trabalho.
O ponto que me questiono é o quanto este processo parte dos indivíduos e o quanto ele é influenciado por forças econômicas que exigem que atualização do indivíduo seja feita a partir de algumas fórmulas mágicas de sucesso. Existem muitas revistas que a cada semana oferecem receitas para o sucesso ou que abordam as novas qualificações exigidas pelo mercado de trabalho, como se o fato de adequar-se a este perfil sugerido levasse o indivíduo ao emprego ideal. Também, na linha do sucesso, existem vários cursos, de alto investimento, que propagam a visão da carreira baseada nos títulos e certificados, como única forma de enquadrar-se nas exigências. A cada dia, surgem mais e mais cursos intitulados como MBAs. Se estas fórmulas fossem tão verdadeiras, porque temos ainda tantas pessoas qualificadas na busca de empregos no mercado. Limitação do número de vagas limitadas não explicaria totalmente o aspecto de empregabilidade como discurso de flexibilidade e mobilidade.
Não há uma resposta simples. Porém, qualquer que for a resposta, ela deveria passar pela questão do conhecimento, este sim, o único meio pelo qual uma pessoa pode desenvolver-se e qualificar-se para posições de destaque nas empresas, dando o retorno esperado, de forma diferenciada. A simples e pura banalização do conhecimento, nas formas mais veladas, levará mais a um empobrecimento do indivíduo e das empresas, fazendo-se com que as pessoas se tornem mais iguais, quando na verdade, precisamos que elas se tornem diferentes, para podermos fomentar o processo de inovação.
Portanto, quando você se perguntar se deve desenvolver-se com base no que o mercado está pedindo, procure fazer de forma consciente, não apenas porque alguém disse que é assim, mas porque isto, de fato, trará valor para sua vida.
Um grande abraço.
Moacyr Ferreira
A autora propõe duas questões interessantes:
Quem é mais livre: o trabalhador que aumentou sua empregabilidade, movendo-se com mais flexibilidade de um emprego a outro, ou aquele que trabalhou por anos em uma única empresa?
O que pesa mais nos ombros do trabalhador: a sujeição ao emprego em uma única organização ou ao movimento contínuo em busca da propalada autonomia profissional?
As transformações do mundo econômico e os avanços tecnológicos modificaram as relações trabalhistas, levando aos poucos ao fim do que conhecíamos como “emprego”, sem que haja o fim do trabalho. Surgem novas relações trabalhistas onde os indivíduos buscam sua inserção no mercado de trabalho casando interesses pessoais de desenvolvimento profissional com interesses econômico-financeiros das empresas. Na esteira desta mudança, vemos o enfraquecimento do sindicato e um reforço no aspecto individual como defensor de interesses de desenvolvimento de carreira.
Esta modificação na busca por esta inserção no mercado, faz com que o indivíduo seja levado a uma constante necessidade de atualização, através de uma auto-gestão de sua carreira. O trabalhador passa a ser encarado como um “negócio próprio”, com base no auto-controle e auto-disciplina. Curiosamente, esta auto-disciplina exerce um fator de controle maior do que o que seria exercido pelas organizações, através de um comprometimento subjetivo, como única forma de garantir o desenvolvimento individual.
A empregabilidade passa a ser um discurso aceito pela sociedade, de acordo com sua época e cultura, como um discurso verdadeiro. Segundo Foucalt, é como se os micro-poderes, exercido por cada indivíduo, atuasse em práticas ou relações de poder que influenciam na confirmação da verdade. O fato é que o discurso da empregabilidade tomado como verdadeiro desloca o eixo da responsabilidade mais para o indivíduo do que para a empresa, no que diz respeito ao seu desenvolvimento de carreira.
O trabalhador-herói será aquele capaz de estabelecer metas e dirigir seus interesses pessoais e profissionais através do desenvolvimento permanente de suas habilidades e conhecimentos. Porém, esta autonomia é limitada, pois não depende exclusivamente do indivíduo a escolha final, pois existirão outros elementos não controláveis que podem limitar esta decisão (Ex.: Vagas abertas, Renda disponível para investimento em treinamentos, condições favoráveis da economia, etc.).
Na busca pela inserção no mercado, já que a estabilidade dos empregos formais já não existe, o indivíduo passa a um estado de vigilância permanente, como na visão do Panóptico concebido por Betham (prisão circular com um prédio central com visibilidade para cada cela individual, de modo que todos podem ser observados, mas não podem saber se estão ou não sendo vigiados pelo prédio central, por não ter esta visibilidade, criando um estado de atenção permanente de vigilância, ainda que ela não exista). Dadas as mudanças externas, o indivíduo sente-se constantemente ameaçado quanto sua inserção no mercado, levando a uma atitude constante de auto-exame, ainda que ninguém o esteja vigiando para isto. Passa-se a ter uma sociedade do controle, levando a uma demanda por formação permanente, como forma de adaptação às demandas mutantes da esfera produtiva, trazendo, com isto, um aspecto de subserviência.
Onde quero chegar com esta conversa? Se a proposição sobre a empregabilidade, influenciando o auto-desenvolvimento dos indivíduos fosse um processo praticado somente pelos micro-poderes de Foucalt, em cada pessoa, não haveria nenhum grande problema na demanda do mundo atual por desenvolvimento de requisitos, habilidades e competências creditadas como verdadeiras para a inserção no mercado de trabalho.
O ponto que me questiono é o quanto este processo parte dos indivíduos e o quanto ele é influenciado por forças econômicas que exigem que atualização do indivíduo seja feita a partir de algumas fórmulas mágicas de sucesso. Existem muitas revistas que a cada semana oferecem receitas para o sucesso ou que abordam as novas qualificações exigidas pelo mercado de trabalho, como se o fato de adequar-se a este perfil sugerido levasse o indivíduo ao emprego ideal. Também, na linha do sucesso, existem vários cursos, de alto investimento, que propagam a visão da carreira baseada nos títulos e certificados, como única forma de enquadrar-se nas exigências. A cada dia, surgem mais e mais cursos intitulados como MBAs. Se estas fórmulas fossem tão verdadeiras, porque temos ainda tantas pessoas qualificadas na busca de empregos no mercado. Limitação do número de vagas limitadas não explicaria totalmente o aspecto de empregabilidade como discurso de flexibilidade e mobilidade.
Não há uma resposta simples. Porém, qualquer que for a resposta, ela deveria passar pela questão do conhecimento, este sim, o único meio pelo qual uma pessoa pode desenvolver-se e qualificar-se para posições de destaque nas empresas, dando o retorno esperado, de forma diferenciada. A simples e pura banalização do conhecimento, nas formas mais veladas, levará mais a um empobrecimento do indivíduo e das empresas, fazendo-se com que as pessoas se tornem mais iguais, quando na verdade, precisamos que elas se tornem diferentes, para podermos fomentar o processo de inovação.
Portanto, quando você se perguntar se deve desenvolver-se com base no que o mercado está pedindo, procure fazer de forma consciente, não apenas porque alguém disse que é assim, mas porque isto, de fato, trará valor para sua vida.
Um grande abraço.
Moacyr Ferreira
Oi Moacyr,
ResponderExcluirÉ como se a busca por ‘tornar-se diferente’ através da especialização contínua acabasse por tornar as pessoas cada vez mais iguais, em face da 'comoditização' do aprimoramento sem critérios.
Recentemente li um artigo do Gustavo Ioshpe em que menciona a valorização de profissionais tecnólogos em países europeus. Isto se dá pelo fato de esta graduação intermediária preencher a lacuna existente entre a formação básica e a superior.
Acredito na evolução contínua do indivíduo, mesmo porque esta é a nossa trajetória como homo-sapiens, mas ela deve idealmente ocorrer por meio de um balanço entre vocação, potenciais, aspirações verdadeiras, possibilidades concretas e o que o mercado de trabalho realmente precisa.
Abraço, Leandro
Oi, Leandro.
ResponderExcluirBons pontos comentados. Meus questionamentos, e vou deixar em aberto, são justamente sobre:
- o que o mercado realmente precisa balanceando perspectivas de curto e longo prazo? do ponto de vista de sustentabilidade financeira?
- quem define: A auto-gestão dos indivíduos? As empresas? As revistas?
- A auto-gestão torna o indivíduo mais autônomo?
Obrigado.
Moacyr
Oi Moacyr,
ResponderExcluirExcelentes textos. Parabéns!!
Eu teria outra pergunta a acrescentar as suas acima.
- Como seria a tomada de decisão a auto-gestão dos indivíduos?
- É correto pensarmos na possibilidade de secessão?
É um assunto que realmente busco respostas, talvez não tenha encontrado uma boa literatura e se a tiver, por favor compartilhe.
Grande Abraço
Neimar Rosa
Oi, Neimar.
ResponderExcluirExcelente pergunta.
Não tenho uma resposta objetiva para sua questão, mas arrisco-me a dar uma.
Lembre-se que o mundo atual, com suas incertezas, já não garante uma relação estável, fazendo com que o indivíduo passe a ser responsável por sua carreira, como dito no texto.
No que se relaciona a sua questão, eu entendo que a auto-gestão pressupõe um auto-conhecimento.
Ou seja, um indivíduo que possui um plano de carreira e que conhece minimamente seus pontos fortes e pontos que precisam ser desenvolvidos.
A partir deste auto-conhecimento e do acompanhamento das demandas do mercado, este indivíduo poderá fazer escolhas que lhe agregem valor e que ele esteja disposto a investir tempo e dinheiro para desenvolver estas competências.
Um exemplo (muito simples) para ilustrar. Imaginemos que você tenha como objetivo tornar-se um diretor de projetos em um determinado prazo. Talvez, uma certificação PMP faça mais sentido que um MBA. Mas, e se você já possuir um MBA e, ainda sim, o cargo exigir uma certificação? Você ainda sim estaria disposto em investir nesta certificação, mesmo sabendo que o conhecimento de PMI poderia ser adquirido de maneira informal? E se esta decisão levar você a perder a vaga, você suportaria a perda e continuaria com sua crença pessoal?
Mas as principais questões são: uma vez avaliado os pontos fortes e de melhoria, qual faz realmente sentido? Qual você estaria disposto a aplicar e que traria novas competências que, de fato, agregariam valor ao seu objetivo?
Tomar uma decisão, sem este aspecto de auto-conhecimento, poderá levá-lo, eventualmente, a caminhos não planejados.
Vejo no aspecto sucessório algo mais ligado a ajuda no desenvolvimento pessoal, mas entendo que não deveria ser transferido, totalmente, a outra pessoa o direito de identificar e dirigir suas escolhas quanto ao seu desenvolvimento pessoal.
A sucessão, para mim, tem mais a ver com um cargo.
O auto-desenvolvimento, tem mais a ver com objetivos pessoais, que podem ou não coincidir.
Abs
Moacyr
Moacyr, sobre estes últimos comentários, talvez as pessoas tenham que contrariar pontualmente seus 'desejos' e planos de desenvolvimento para atender à um requisito do mercado, como você mencionou no seu exemplo da exigência da certificação PMP.
ResponderExcluirMas acredito que o importante é que no longo prazo elas sejam capazes de direcionar seus esforços de aperfeiçoamento através da auto-gestão para aquilo que realmente almejam e têm talento, claro que de maneira casada com as oportunidades existentes e as tendências do mundo profissional.
Correto, Leandro. Deveria ser um balanço, de fato, entre os interesses pessoais e os interesses das corporações, de forma a estabelecer uma troca saudável, agregando valor para ambos lados.
ResponderExcluirAbs
Moacyr