Durante muito tempo, o conceito
de miopia foi utilizado pelas empresas para suportar suas decisões
estratégicas. Mas, até que ponto este conceito ainda é
válido e o que é, de fato, mais importante do que o entendimento do conceito?
No mundo atual, com a dinâmica dos mercados, impulsionado pela globalização e
pela tecnologia, olhar para os clássicos é importante, mas o fundamental é
tentar entender o contexto em que tais conceitos foram criados, extrair as
lições e saber adaptar-se aos tempos modernos.
Quando Theodore Levitt, professor da Universidade de
Harvard, escreveu seu artigo Miopia em Marketing, em 1960, publicada na Harvard
Business Review, sua motivação era mostrar o quanto uma visão curta sobre o
mercado poderia impactar a estratégia de uma empresa, ao fazer uma leitura
equivocada do macro ambiente. O artigo, até hoje, é um clássico da Administração.
O artigo, entre outros exemplos, explorava alguns exemplos, tais como as estradas
de ferro que, por muitos anos enxergavam seu negócio como empresas ferroviárias
ao invés de companhias de transporte, perdendo espaço, então, para a indústria
automobilística, de aviação, etc. Outro exemplo usado foi o de Hollywood, que via
seu negócio como sendo ligado à indústria cinematográfica, desdenhando a concorrência
com outros meios de comunicação, tais como a televisão, que começava a delinear
a indústria de entretenimento, provocando uma leitura do ambiente competitivo
muito mais abrangente do que Hollywood encarava. A
isto, Levitt denominava “Miopia de Marketing”, levando as empresas a questionarem
seus negócios para poder explorar quem de fato passariam a serem seus competidores
diretos, substitutos e, eventualmente, novos entrantes.
Por ser um clássico, este artigo foi amplamente
utilizado nas escolas de administração como um orientador para desenhos de estratégias
empresariais e práticas de marketing. Não há como negar a importância do artigo
e sua contribuição para o mundo dos negócios.
Todavia, na semana passada, quando estava em uma aula
de Marketing, revendo o conceito, lembrei-me de um exemplo já mencionado em
post anterior sobre a Apple e a maneira como ela impactou o mercado de
telefones móveis, sobretudo o smartphone e, então, me
questionei sobre o alcance do artigo no mundo atual.
Quando a Apple entrou no mercado, posicionada como um
produto diferenciado no mercado de comunicações móveis (tecnologia, design,
experiência do usuário) quem, de fato, poderia dizer que ela impulsionaria
outras indústrias, tais como a de “games”? Como exemplo, tomemos o sucesso do
famoso jogo “Angry Birds” que soma, atualmente, aproximadamente 700 milhões de
downloads. Embora não exista uma relação de causalidade direta, não há como
negar que o iphone deu uma tremenda contribuição para este sucesso, através dos
downloads em sua Apple Store. Mas, o iphone não pertencia à indústria de
comunicações móveis? O iphone fazia de tudo um pouco e ainda permitia a comunicação
entre as pessoas. Ou seja, ao permitir uma experiência tão diferenciada com o
usuário, este aparelho impulsionou outra indústria de desenvolvimento de
software, criando uma nova concepção de mercado, que hoje, alguns já chamam de “eco-sistema
tecnológico” que, novamente, muito poucos enxergavam desta forma.
Para
a Nokia, que era tradicional no mercado, e que se inseria em um mercado de
Comunicações móveis, teria ela cometido o erro da miopia?
Meu
ponto é que a avaliação da miopia, principalmente, para mercados de alta
tecnologia, faz mais sentido depois que o efeito ocorre, já que o lançamento do
produto pode estar focado em uma área, mas acabar abrindo novos espaços, como
no exemplo acima. Com isto, por exemplo, para a Nokia, a miopia
seria não enxergar (presente e futuro) a mudança do mercado e não questionar o
erro de não ter enxergado (passado) algo que não era de fácil previsão.
Em
mercados de alta tecnologia, vejo o problema menos relacionado com miopia e
mais relacionado com a falta de visibilidade. Ao tentar
fazer a leitura sobre a miopia, em ambientes de alta mudança, o exercício passa
a ser quase que uma adivinhação. Desta forma, vejo o risco em se fazer a análise
de miopia como um “risco” em se fazer muito premissas que podem mais
desorientar a empresa, ao invés de ajudá-la a fazer a leitura correta do
ambiente e do ajuste necessário para a estratégia.
O fundamental desta questão, não está na classificação teórica que se
faz sobre o mercado, mas na análise correta das forças e fraquezas da empresa e
do confrontamento destas com o macro ambiente, levando-se em conta o dinamismo
do mercado, para uma correta avaliação da estratégia adotada pela empresa e do “fit”
desta estratégia ao longo do tempo. A empresa que
não é capaz de fazer a leitura correta, não é capaz de reagir no sentido de
usar suas características internas para neutralizar as ameaças do macro ambiente
e aproveitar as oportunidades que surgem.
Como o próprio Levitt escreveria anos mais tarde em seu artigo “Marketing
e o objetivo empresarial” (1990) há o perigo de interpretar o Marketing como
uma ferramenta capaz de trazer respostas prontas.
Sejamos bem claros: Isto não existe! Marketing
se faz com inteligência, com conhecimento e com pessoas preparadas! Ainda mais
quando o mercado exige inovação!
É o poder de leitura do ambiente, de reflexão sobre a
adequação da estratégia ao momento atual e da capacidade de se reposicionar ou
reforçar o posicionamento que definirá o sucesso da empresa ao longo do tempo,
tudo com parcimônia e inteligência. Empresa que refaz
sua estratégia radical e constantemente para adequar-se às mudanças de
ambiente, não tem estratégia. Como dizia o gato de Alice no país das
maravilhas, “se você não sabe para onde quer ir, qualquer caminho serve”.
Bom dia dos pais!
Moacyr Ferreira
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