sexta-feira, 25 de maio de 2012

Nokia: Se você fosse o CEO...

O post desta semana tem um significado especial, pois está relacionado com minha tese de mestrado na PUC RJ. O tema é sobre a Nokia Corporation e seu progresso ao longo dos anos, até os dias atuais, onde a situação não lembra muito a do início do final do século passado. Notem que estou falando de uma janela de tempo de menos de 15 anos, que no mundo dos negócios atuais é uma eternidade.

A Nokia é uma empresa de origem finlandesa, com mais de 140 anos de existência. Seu nome é original de um rio da região onde a empresa começou suas atividades relacionadas com borracha. Ao longo dos anos, a empresa incorporou novos negócios ligados à indústria de papel, química e telecomunicações. Somente em 1992 a empresa decidiu tornar a área de telecomunicações seu “Core Business”. Desde então, a empresa participou ativamente do avanço da telefonia móvel, sobretudo no início, com a tecnologia GSM, que foi adotado como padrão de tecnologia pela Europa, em 1991. Fabricante de equipamentos (telefones celulares e equipamentos de rede de telecomunicações) e fornecedor de serviços (para celulares e redes) a empresa vislumbrou uma grande sinergia entre os dispositivos de comunicação (celulares) e as redes. Visitando os relatórios financeiros (Form 20-F, disponível ao público no site da empresa – http://www.nokia.com), encontramos, no ano de 2003, uma situação bastante privilegiada. O grupo Nokia apresentava vendas líquidas de aproximadamente EUR 30 Bi e dinheiro em caixa na casa de EUR 10 Bi. A empresa estava entre as 10 marcas mais conhecida mundialmente (Você lembra do Pelé como garoto propaganda?). Sua divisão de celulares, carro chefe da empresa, apresentava venda líquidas de EUR 24 Bi e lucro operacional de EUR 5,4 Bi. Seu “market share”, em torno de 38%, era quase que o dobro do segundo colocado (nada mais, nada menos que a Motorola).

No ano 2008, vemos uma situação diferente, porém ainda confortável para uma empresa acostumada a ser líder de mercado. A divisão de celulares tinha vendas líquidas próximas de EUR 51 Bi e lucro operacional de EUR 4 Bi. Era um mercado em ebulição, com novas tecnologias surgindo, permitindo maior qualidade, velocidade e capacidade de transmissão, o que, em última análise, traria grandes benefícios ao usuário final, através de novas e revolucionárias experiências. Em 2007, surgia o iPhone da Apple, uma empresa que não tinha muita tradição na área de telecomunicações e que, portanto, enfrentaria grandes barreiras a entrada. Pelo menos, assim pensavam os líderes de mercado. Estamos falando de um mercado que em 2011 apresentaria um total de mais de 5 bilhões de assinantes. Empresas como o Google, mostravam interesse neste mercado e através de sistemas operacionais, como o Android, iniciavam as primeiras conversas com fabricantes de dispositivos celulares. Note que nesta época já começávamos a falar de dispositivos de comunicação, uma vez que computadores, tablets e smartphones, pouco a pouco, apresentavam características e funcionalidades similares, diferenciando suas experimentações diferentes através dos distintos tamanhos de tela.

Como uma empresa como a Nokia deveria tomar decisões estratégicas tendo como perspectiva um cenário positivo em 2007? Vejo na mídia atual, pessoas criticando o legado deixado pelo antigo CEO Jorma Ollila. Porém, John Nash, com sua teoria dos jogos, mostrou que a melhor decisão não é tomada pela decisão de um único agente, mas será influenciada pela decisão tomada por outros agentes (famoso dilema do prisioneiro). Portanto, como julgar Jorma Ollila e suas decisões como certas ou erradas, em um cenário tão complexo de mudança de mercado e progressão de resultados da empresa?

A teoria da Administração nos ensina que cada indivíduo pode apresentar percepções diferentes sobre os mesmos temas. Também aprendemos que estas percepções afetam as tomadas de decisão, já que decisões de negócio são tomadas por pessoas. Talvez, e digo talvez por que isto não é conclusivo, os erros e vieses comuns nas tomadas de decisão (Comportamento Organizacional – Stephen Robbins ET all) ajudem a explicar alguns elementos que contribuíram para que a Nokia enfrente a situação atual, com as ações caindo 90% em menos de 5 anos, recebendo uma avaliação de agências como Fitch e Standard & Poors como “Junk”. Vejamos, à luz da teoria, alguns elementos de reflexão sobre erros e vieses comuns na tomada de decisão, vou citar 5:
- Excesso de confiança: Empresa líder de mercado por vários anos, detentora de tecnologia, grandes escalas produtivas. Não teria ela criado uma vantagem competitiva frágil, a ponto de ser superada por outras empresas que passaram a figurar no cenário de telefonia celular como grandes players a partir de 2007, tais como Apple e Samsung que detinham, cada uma 25% de market share de smartphones, contra 12% da Nokia, em Q4 de 2011? Será que, de fato, havia uma vantagem competitiva?
- Ancoragem: A Nokia foi uma das pioneiras no mercado de telefonia móvel, capaz de imprimir um ritmo acentuado no lançamento de novos produtos, formando um enorme portfólio, baseado em tecnologia, facilidade de uso para o consumidor, qualidade de conexão à rede e preços variados. Não teria a empresa focado mais na eficiência operacional do que na criação de uma estratégia robusta, que levaria a uma vantagem competitiva? Segundo Michael Porter, eficiência operacional não é estratégia e o jogo não trata de competir com os adversários, mas de buscar rentabilidades superiores sustentáveis.
- Evidência confirmadora: A Nokia sabia da evolução tecnológica e da formação de um novo eco sistema baseado nos sistemas operacionais, como mostram os relatórios financeiros. A decisão pelo Symbian levava em conta a proteção de desenvolvimentos e desenvolvedores de aplicativos, além do não pagamento de licença, por ser proprietária. Outras sinergias como mapas digitais, desempenho do equipamento com redes mais sofisticadas, mostravam um caminho adequado, mas talvez não o melhor. A briga passou a ser travada através dos sistemas operacionais, o que permitiu novos fabricantes ganharem espaço e, pouco a pouco, dominar o mercado, principalmente o dos smartphones.
- Viés de disponibilidade: O mercado de telefonia móvel mostra potencial de crescimento muito grande. Estima-se que, em 2016, tenhamos mais de 2,5 bilhões de dispositivos com capacidade de conexão à internet. O comprometimento da Nokia com órgãos técnicos desenvolvedores de padrão é muito alto. Estaria o usuário interessado na tecnologia e suas vantagens quando conectado á rede? Talvez. Porém, poderia o usuário estar interessado mais na experiência do uso do equipamento, não necessariamente quando este estiver conectado à rede? A funcionalidade “touch screen” seria apenas um artifício dos dispositivos ou uma nova maneira de ligar o ser humano às máquinas?
- Erro de aleatoriedade: Como prever que esta nova experiência pudesse modificar tanto o mercado? Uma empresa sofrendo de miopia, tentando enxergar o dispositivo como algo fazendo sentido apenas quando conectado à rede, teria dificuldades de render-se e de minimizar um discurso técnico sofisticado, de funcionalidades, para aceitar que o consumidor queria apenas interagir com um “novo brinquedo” e, inclusive, entre tantas coisas (música, jogos, etc), falar através dele.

Apesar das dificuldades, a Nokia continua seus esforços através de novos produtos (Ex.: Lumia), com sistema operacional Windows Phone, parceria com a Microsoft. Alguns poderiam pensar: isto poderia ter acontecido antes! Poderia, mas não aconteceu! A Nokia continua sendo uma empresa centenária, com dinheiro em caixa, mas o que falta, hoje, é paciência dos investidores ao ver seus investimentos evaporando. Notícias recentes dão conta do uso e diminuição acentuada destas reservas em prazo muito curto, para pagamento de compromissos financeiros. “No Money, no Honey”, diz o ditado. Mais do que uma empresa inovadora, a Nokia terá de ser inventora, buscando idéias capazes de mover o mercado a seu favor, com tecnologias, até certo ponto, disruptivas, capazes de gerar uma verdadeira vantagem competitiva, baseada em uma estratégia robusta e única.

Os dados estão lançados: qual sua aposta para a Nokia?

Um grande abraço.
Moacyr Ferreira

4 comentários:

  1. Moacyr,
    Lembro-me que no início dos anos 80, eu participava de uma reunião de funcionários da Siemens com o nosso então Diretor Geral da área de telecomunicações (Dr. Baur), um renomado cientista e administrador, com a bagagem recheada de sucessos. Ele contou para nós sobre uma oferta que fora feita para a Siemens por uma pequena empresa finlandesa, famosa por seus artefatos de borracha. Tratava-se de um rudimentar telefone móvel. Ele disse: "apesar de ser uma excelente ideia, não podemos crer que haja mais de 1 milhão de pessoas capazes de possuir um objeto destes nos próximos 15 anos".
    Apesar deste erro de avaliação de cenário, quantas outras vezes, o mesmo Dr. Baur indicou de forma acertada os caminhos da evolução tecnológica, evitando "canoas furadas" e apostando em grandes sucessos como as centrais de comutação EWS-D, os equipamentos multiplex FDM com filtro eletromecânico e os rádios digitais de primeira geração. Assim como o saudoso Dr. Baur, duvido que o sr. Ollila tenha simplesmente tomado uma decisão errada, mas que foi surpreendido por um cenário, que ele apenas considerava improvável. Quanto ao futuro na Nokia? Considero preocupante, pois quer queira quer não, a Nokia é uma empresa de nicho, que atua em um segmento extremamente veloz e dinâmico, e o Lumia não parece ser a solução para os problemas.

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  2. Obrigado, Hermano. Ao que tudo indica, o esforço parece ser cada dia maior, para uma possível recuperação. Recentemente, circulou na imprensa (Reuters) uma notícia sobre o governo finlandês buscando criar um efeito como foi criado pela Nokia em sua economia, no final dos anos 90, início do século XXI. Naquela época, a Nokia participava com uma fatia de aproximadamente 4% do PIB nacional. Hoje, o governo finlandês já procura uma nova indústria capaz de criar um grande "momentum" na economia, o que pode vir com a indústria de "games".

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  3. Oi Moacyr !

    Fazendo uma análise e lendo o seu blog, posso afirmar com convicção que dois motivos principais da Nokia foram: excesso de confiança e medo de errar (sim, medo) geraram um atraso de lançamento de produtos no mercado.
    Em 2007 eles olharam o iPhone com desdenho, apenas um hardware com um software “bonitinho”, quando seus smartphones que comparados com o que a Apple estava lançando (duro de assumir) eram apenas “smarter phones” e não os smartphones. Em 2008/2009 eles já tinham o sistema operacional Maemo, muito avançado e um hardware bom para lançar no mercado, mas o “time to market” não foi suficientemente bom, só anunciaram o produto em Agosto de 2009 e lançaram em Junho/Julho de 2010, e quando o fizeram, o hardware já estava ultrapassado.

    Em 2010, o ecosistema de aplicativos para celular, no mercado mundial, já estava voltando-se totalmente para o iOS da Apple, o Android da Google e apontando para o Windows Phone.

    Já em 2011, quando resolveram adotar o Windows Phone ao invés de continuar com o MeeGo (evolução do Maemo de 2009), numa tentativa de retomar o sucesso de vendas, assinaram sua dependência parcial com a Microsoft. Parcial porque ainda há chance, em uma emergência, de retomarem com o Symbian, em algum caso extremo.

    O que eu faria de diferente? Colocaria as fichas no sistema inovador que tinham, o Maemo. Faria da linha de produtos de smart phones diversificados, em um único modelo que seria aprimorado ao longo do tempo, e construiria centros tecnológicos de desenvolvimento de aplicativos em volta do mundo, para fomentar o desenvolvimento de aplicativos na plataforma.

    Agora, o futuro da Nokia está ligado diretamente com a Microsoft, ou tornam-se grandes parceiros no desenvolvimento do Windows 8, ou a Nokia pode até ser comprada, completando a verticalização do mercado (Apple+iOS com iPhone, Google+Android com Motorola Mobility e Microsoft+Win8 com Nokia).

    Abraços,

    Daniel.

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  4. Obrigado, Daniel. Muito bons comentários. Eu, particularmente, acredito também que o futuro da Nokia vai estar atrelado à Microsoft. Concordo com outro comentário seu, feito por email, dizendo que uma saída seria a redução do portfólio, concentrando forças em um ou poucos produtos. Hoje, ela tem dificuldades de competir nos produtos "high end", devido à forte competição com Samsung e Apple, e grande dificuldade no "low end", com os competidores asiáticos. Ou seja, entre um e outro, pode ser que fique sem os doia. Abs
    Moacyr

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